VERSOS DE UM POETA HUMILDE

o_carteiro e o poeta

Foto: cena do filme “O Carteiro e o Poeta“.

 

Autor: Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

 

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
(Pablo Neruda, “O poço”)

 

O filme italiano “Il Postino”, de 1994, traduzido para o Brasil como “O Carteiro e o Poeta”, e dirigido por Michael Redford, é uma obra prima do cinema, com características de sensibilidade e poesia incomuns, tal qual “Cinema Paradiso”’. Retrata a amizade entre o poeta chileno Pablo Neruda e um desempregado, quase analfabeto, contratado para trabalhar como “carteiro extra” durante o exílio de Neruda numa ilha da Itália.

A interpretação de Mássimo Troisi, o carteiro, que também é roteirista do filme, é magistral, o que lhe rendeu diversas indicações ao prêmio de melhor ator. Infelizmente, Troisi morreu um dia depois do final das gravações por ataque cardíaco fulminante, e não pode ver o resultado da sua obra.

O centro do roteiro é a crescente amizade que vai se formando entre o mestre, Neruda, e o humilde carteiro, Troisi, ao ponto de o primeiro ajudar o segundo a compreender o poder das palavras, o valor das metáforas, permitindo que o carteiro pudesse exprimir seus sentimentos pela amada Beatrice. O verso “teu sorriso abre-se como asas de uma borboleta” tornou-se uma máxima repetida por diversos adolescentes tímidos e apaixonados, e sintetiza e beleza dessa obra magnífica.

Embora derivado de roteiro adaptado, o filme é uma obra de ficção, mas que demonstra que é possível encontrar poesia nas questões mais simples da vida, não só pelo jogo de metáforas, mas pela observação dos elementos belos da natureza, razão pela qual o filme também foi indicado a prêmios por fotografia. É possível construir versos que nos permitem viajar por mundos nunca antes conhecidos, mas fundamentalmente, a poesia dá condições de colocar sentimentos, desejos, sonhos, utopias, em evidência.

Neruda falava das árvores, do amor, do riso, Drummond da rosa nascida no asfalto, do trabalho sofrido e das decisões do personagem José, Maiakovski declarava os sonhos da revolução e da confusão da sua anatomia pela experiência do amor. A poesia pode ser encontrada em simples gestos, na manifestação corpórea, no campo, na natureza, em jogos de luzes e sombras, na observação dos astros, na vida…

Vejamos um exemplo simples, como podemos descrever a nossa admiração pelo olhar de determinada pessoa por meio de metáforas:

Ao ver teus olhos toda a minha dureza desaparece,

sinto-me dominado por sua força desconcertante.

É como se o tempo parasse numa dimensão própria!

Teu olhar tem o brilho mais radiante das estrelas,

é o Sol que ilumina minhas tardes frias…

e os matizes do mel, que lhe formam, adoçam meus tempos perdidos”.

O autor dos versos acima é o signatário deste texto, ou seja, eu. Trata-se de uma poesia que nunca foi escrita, é um simples improviso. Podemos usar poesia em prosa, podemos enriquecer textos frios com metáforas, mas, acima de tudo, podemos dar via e beleza a qualquer momento que vivenciamos. Aliás, podemos reconhecer o brilho e a beleza da vida.

O texto de cima poderia ter sido escrito tecnicamente da seguinte forma: “Ao olhar para os teus olhos sinto-me desconcertado, especialmente em razão da sua beleza e da cor única que eles possuem”. Ainda vemos uma certa beleza, mas o texto é mais frio e direto. Aliás, o próprio modelo técnico de redação perde a riqueza dos sentimentos.

Entretanto, quando falamos em poesia, é porque podemos encontra-la momento da vida, mesmo nos mais tristes. Também não é necessário grande reserva intelectual para construí-las, e o carteiro de Mássimo Troise é um exemplo.

Todos os dias poetas da periferia versam sobre a dureza da sua vida nos versos do rap e do hip-hop. Também já conhecemos diversos poetas do campo, humildes “catadores” que versaram sobre a sua vida, sobre o luar do campo, sobre o tramalho de semear a terra… A poesia pode sim, e deve ser, construída também na humildade. Não é um privilégio de eruditos, é uma forma de expressão que acompanha a nossa própria essência como seres humanos.

Numa sociedade cada vez mais dominada pela precisão das máquinas e dos relógios, onde os próprios indivíduos atuam mecanicamente, sinto a falta da poesia, da valorização dos sentimentos, do respeito ao nosso íntimo e aos nossos sonhos e desejos mais reclusos. Estou cansado de números frios que, muitas vezes, não dizem nada. Quero, novamente, a magia das metáforas, dos versos, da rebeldia do pensar contra as convenções da estética, mesmo que para isso precise romper com paradigmas.

O mundo em que vivemos é muito mais belo do que as manchetes dos jornais, é muito rico em sua biodiversidade, e mais vivo nas duas diferenças.

Recitando, novamente, o mestre Pablo Neruda, na minha vida quero apenas pequenas coisas:

Quero apenas cinco coisas…

Primeiro é o amor sem fim

A segunda é ver o outono

A terceira é o grave inverno

Em quarto lugar o verão

A quinta coisa são teus olhos

Não quero dormir sem teus olhos.

Não quero ser.… sem que me olhes.

Abro mão da primavera para que continues me olhando”.

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Acabei completando a Poesia cuja primeira estrofe foi lançada neste texto no seguinte link ” O Teu Olhar  “.

5 comentários

  1. Sandro, vejo que estás indo muito bem com teu blog. Mostras um coração sensível, poético e comovido, além de um espírito político dos melhores. Acredito que todos os professores sintam orgulho dos seus alunos quando percebem que esses, para além do óbvio da vida, trazem algo para melhorar o mundo. É o teu caso. Parabéns, garoto. Por aqui te acompanho. Grande abraço,. Prof. Pedro Moacyr Pérez da Silveira.

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